
Em meio aos dias de calor extremo na capital paraense, a discussão sobre a vulnerabilidade da Amazônia ganhou urgência. O evento “Justiça Energética e Direitos em Tempos de Crises na Amazônia”, realizado na noite de terça-feira, 18 de novembro, no ARAYARA Amazon Climate Hub, reuniu especialistas e lideranças para debater como os eventos climáticos extremos e a ineficiência do sistema elétrico impactam os direitos dos consumidores, especialmente os mais pobres e isolados.
A atividade, proposta pelo Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC), expôs as barreiras que impedem o acesso à energia de qualidade e a preços justos.
Custo Alto e Qualidade Baixa: A Contradição da Região Norte
Lourenço Moretto (IDEC), que mediou o debate, apresentou dados que expõem a injustiça tarifária e a precariedade do serviço na região.
“A região norte do país é a região que paga a energia mais cara do país, e é a de pior qualidade.”
Ele explicou que grande parte dessa conta elevada se deve aos sistemas isolados, que dependem do uso do diesel. Lourenço expôs lacunas do programa Luz Para Todos, que, ao focar majoritariamente na energia solar, gera carência energética em dias nublados, e relatou sobre cobrança de comunidades que pedem o aprimoramento das políticas públicas com maior diversificação e aceleração da integração nacional.
Outro ponto levantado foi a lógica do mercado livre de energia, onde grandes empresas compram energia de fontes incentivadas com até 50% de desconto, enquanto a população, especialmente a da periferia, paga o preço cheio.
“Temos que pensar qual a lógica disso tudo. Quando se discutiu o aumento da tarifa social, o empresariado se posicionou contra,” afirmou.
O Calor Extremo e as Ilhas Urbanas de Pobreza
Eduarda Gonçalves (Rede Jandyras) trouxe a discussão para o contexto urbano da capital da COP30. Belém foi a capital brasileira com mais de 200 dias de calor extremo em 2023.
“O calor de Belém está sendo sentido por todos que chegaram [à COP],” disse Eduarda, apontando que a crise climática é desigual.
Nas áreas periféricas e com excesso de asfalto (fenômeno das ilhas de calor), o custo da energia dispara em dias quentes, quando as famílias precisam usar ventiladores ou geladeiras com mais intensidade, compondo o que é chamado de pobreza energética.
“Como chefes de família, mulheres, são principalmente impactadas pelo aumento do custo do orçamento de energia. Estudo lançado hoje mostra isso. Quem paga o custo das mudanças climáticas? São as pessoas mais pobres,” denunciou.
Eduarda defendeu que a justiça energética exige equilibrar o acesso a energias limpas com a necessidade de políticas de eficiência e adaptação ao calor para as famílias de baixa renda.
Vozes Indígenas: Autonomia e Viés Político da Energia
Lewayki Suya Aik (TI Xingu) compartilhou a realidade do seu território, ameaçado pela monocultura e agronegócio, onde as comunidades sofrem violações de direitos. Ela confirmou que o programa Luz Para Todos está sendo implementado, mas exige melhorias.
“Nós, povos indígenas, precisamos ser consultados antes de as políticas públicas cheguem em nossos territórios. Só assim essas políticas vão realmente beneficiar as comunidades.”
Marcelo Martins (ISA), que atua no Xingu, reforçou que as comunidades estão isoladas da rede nacional, e a energia elétrica significa acesso a “sonhos”: máquinas de produção, conservação de alimentos, educação e conectividade. Ele alertou que, em tempos de mudanças climáticas, o aumento das queimadas e a seca levam a uma espessa camada de fumaça que impede o bom funcionamento das placas solares.
O debate uniu as necessidades das comunidades isoladas, que lutam pela qualidade e diversidade da fonte energética (com exemplos de Roraima que exigiram estudos de viabilidade eólica), e as comunidades urbanas, que lutam pelo custo justo e pela adaptação ao calor. Todos reforçaram a urgência de políticas públicas que protejam os direitos dos consumidores e acelerem uma transição energética justa e resiliente.
Foto: Odaraê Filmes








