
O futuro climático do Brasil e do planeta está sendo sistematicamente moldado pela “influência indevida” de grupos de interesse ligados ao petróleo, carvão e ao agronegócio. Essa captura dos processos decisórios, que se manifesta desde os corredores da COP até as leis nacionais, foi o tema central da mesa-redonda “Quando o lobby e a influência indevida promovem injustiça climática”, realizada na quarta-feira, 19 de novembro, no ARAYARA Amazon Climate Hub.
O evento, proposto pela Transparência Internacional – Brasil e mediado por Renato Morgado, reuniu especialistas para desmantelar as narrativas falsas e apontar a falta de transparência como o principal problema, afastando a atuação dos lobistas do interesse público.
Nicole Oliveira, diretora executiva do Instituto Internacional ARAYARA, abriu o debate com a assumida “meia brincadeira” de que “onde tem petróleo, gás, carvão, tem corrupção.” Ela denunciou o alto nível de subsídios concedidos ao carvão mineral no país, que chega a 1 bilhão de reais por ano, beneficiando estruturas velhas e ineficientes. Nicole citou o lobby do carvão nos estados do Sul, que conseguiu inserir “jabutis absurdos” em projetos de lei para expandir o uso do carvão até 2050, com influência direta na Aneel e no MME e até mesmo uma cadeira no FONTE (Fórum Nacional de Transição Energética), o que impacta diretamente a conta de luz do consumidor. Além disso, citou ainda o setor petroleiro, que financia estudos de descarbonização que acabam por influenciar o planejamento energético nacional, com evidente conflito de interesses.
Suely Araújo (Observatório do Clima e ex-presidente do IBAMA) endossou a crítica, alertando para os excessos no Congresso Nacional que geram “influência indevida”. Ela relembrou que um benefício ao carvão, aprovado no governo Bolsonaro, foi cinicamente chamado de “programa de transição energética justa”, embora a conta mostrasse que seria mais barato indenizar e aposentar os empregados do setor do que pagar os subsídios.
Suely também desmascarou as narrativas utilizadas para pressionar pela exploração de petróleo na Foz do Amazonas, que ela vê como um movimento para “abrir a porta para muitas outras licenças” além do Bloco 59. Ela apontou a contradição no discurso de que “precisamos do petróleo para custear a transição”: “Não tem lógica. Como tu vai financiar um problema agravando ele?”. A ex-presidente do IBAMA afirmou que a narrativa toda foi criada em meio a uma “pressão desumana em cima do Ibama” e que o termo “pesquisa” é um eufemismo para “perfuração” com risco de vazamentos graves.
Joachim Stassart (Columbia) trouxe o lobby do agronegócio para o centro do debate, usando a política fundiária como um exemplo de captura que legaliza práticas abusivas. Ele citou o estudo que mostrou que a FUNAI foi capturada no governo Bolsonaro com a nomeação de policiais e militares. Um ato administrativo retirou do sistema todas as Terras Indígenas não tituladas, facilitando a grilagem ao inviabilizar agentes legítimos (indígenas, pequenos agricultores) na disputa por terra. A tese do Marco Temporal também é vista como parte desse processo de dificultar a titulação de terras.
Em um esforço para ir além do diagnóstico, os participantes apresentaram caminhos para a solução. Nicole Oliveira reforçou que a vitória do licenciamento ambiental tem que ser mantida, pois sua perda seria mais uma grave captura. O painel defendeu a regulação do lobby para que se saiba “quem está financiando quem para defender o quê”, aumentando a transparência.
Suely Araújo alertou que a qualidade do processo legislativo e da democracia tem sido enfraquecida no Congresso, onde projetos importantes perdem a força das comissões permanentes e vão direto ao plenário com um único relator e um texto desconhecido. Por fim, Nicole citou ainda a captura da mídia por meio de patrocínios de gigantes do agribusiness e da mineração (como JBS e Vale) na cobertura de eventos como a COP30, o que facilita o greenwashing.
A mesa concluiu que a baixa transparência é o ambiente que torna o lobby que poderia ser legítimo um problema de influência indevida. O fortalecimento do controle social foi apontado como forma de garantir políticas públicas alinhadas ao interesse climático e aos direitos humanos.
Foto: Odaraê Filmes








